Como o assunto em torno dos royalties voltou à tona, falando-se muito ultimamente na manifestação em defesa desta compensação financeira, resolvi escrever alguma coisa.
Em primeiro lugar, é preciso deixar claro que o projeto de lei (PL-5938/2009 ) encaminhado pelo Executivo foi anexado a outro projeto de lei (PL-2502/2007), para disciplinar o regime de partilha na exploração de áreas do pré-sal. Ao PL 5938/2009 foi apresentada a Emenda n.º 387 de autoria dos deputados Humberto Souto (PPS/MG) e Ibsen Pinheiro (PMDB/RS), propondo nova redação ao artigo 45 do projeto, a fim de que os royalties sejam partilhados entre todos os Estados, Distrito Federal e Municípios.
Os fins proclamados pelos organizadores do movimento em defesa dos royalties são: conscientizar a população para importância destes recursos para a saúde financeira do município; despertar a atenção de Brasília, da grande imprensa e da opinião pública nacional e, por fim, sensibilizar o Judiciário (STF) para supostas inconstitucionalidades.
Se existe unanimidade em defesa dos royalties, também existe quanto a necessidade de maior transparência em suas aplicações. De um modo geral, para além de conscientizar a população, o Governo local deveria assumir o compromisso perante a sociedade de gerir tais recursos com maior transparência e eficiência. Em Campos, e não é de agora, gasta-se muito para fazer bem pouco; o dinheiro público aqui parece ter pouco valor.
Surpreende-me ver autoridade que, por exemplo, tem a coragem de reformar um gabinete por mais R$ 138 mil dizer que sem os royalties o caos se instalará em nossa cidade. Ou que se dispõe a alugar 56 ambulâncias, com motorista, por 1 ano, pagando R$ 13 milhões, quando esta fábula daria para comprar o dobro de veículos, pagar a mão-de-obra e ainda sobrar dinheiro.
As entidades que apóiam o movimento também deveriam estar preocupadas em fiscalizar os atos do Poder Público e conter os abusos praticados com o dinheiro público.
Há algum tempo afirmei que os royalties são receita originária, receita própria do Município, mas quando o assunto é concurso público o governo diz não ter receita própria para realizá-lo e, assim, vai terceirizando tudo o que pode. A desculpa até pode ser que a despesa com concursado é permanente, mas por que não contratam temporariamente por seleção pública?!
A toda hora ouço falar em inconstitucionalidades, recebi até um email apontando genericamente as supostas ofensas. Não vejo, entretanto, estas inconstitucionalidades na divisão dos royalties, não existe quebra do pacto federativo; a inconstitucionalidade talvez esteja, por ofensa ao princípio da razoabilidade, em promover uma divisão abrupta desta receita com todos os entes federativos, a ponto de produzir um verdadeiro caos nos municípios cuja base de receita seja os royalties. A redação do artigo 20, § 1º, da Constituição, que prevê a figura da compensação pela exploração do petróleo, não deixa dúvida:
"Art. 20, § 1º - É assegurada, nos termos da lei, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, bem como a órgãos da administração direta da União, participação no resultado da exploração de petróleo ou gás natural, de recursos hídricos para fins de geração de energia elétrica e de outros recursos minerais no respectivo território, plataforma continental, mar territorial ou zona econômica exclusiva, ou compensação financeira por essa exploração."
Em nenhum momento o texto constitucional fala em "município produtor", este é um conceito dado pela lei não pela Constituição Federal, exceto quando a exploração de petróleo é feita no território do Estado ou Município, hipótese em que a compensação seria exclusiva destes entes. A plataforma continental, mar territorial e a zona econômica exclusiva são bens da União, não dos Estados e Municípios. O preceito constitucional diz claramente que é assegurada, "nos termos da lei", aos Estados (não disse a Constituição quais Estados, cabe a lei tal definição), ao Distrito Federal e ao Municípios (a Constituição também não esclarece quais, devendo a lei discriminá-los). Portanto, se o nosso município é considerado produtor de petróleo, não o é por força da Constituição, mas da lei. Se o nosso município recebe vultosa compensação pela exploração do petróleo, isto ocorre por força dos critérios definidos em lei, não na Constituição.
Não deixemos pois o emoção tomar lugar da razão, vamos lutar pelos royalties sim, porém sem a ilusão de que o Judiciário será a nossa salvação .
10 comentários:
Amigo Cléber:
precisa falar "município produtor"??? O óbvio não precisa constar do texto legal.
Está escrito que se paga pela exploração "no respectivo território, plataforma continental, mar territorial ou zona econômica exclusiva, ou compensação financeira por essa exploração".
Quem quiser mudar as regras deverá mudar a Constituição.
No mais concordo com você.
Grande abraço e parabéns pelo bom uso deste espaço.
Marcelo,
Município até pode ter território, porém não plataforma continental, mar territorial ou zona econômica exclusiva, que são bens da União. O texto constitucional até coloca respectivo no singular para referir-se apenas ao território.
Grande abraço,
Cleber Tinoco
A definição que você apresentou é verdadeira. Mas o óbvio não precisa constar do texto legal, como disse.
Não tenho dúvidas de que a Constituição quis que o pagamento fosse feito às três esferas, até porque não consta o termo "respectivamente" no citado parágrafo, para excluir umas das outras.
Os "órgãos da administração direta" constam no citado parágrafo e não têm território, nem ZEE, mar territorial... A Marinha, por exemplo, recebe verbas de royalties (art. 49, II, c da Lei 9.478/97).
Por que motivo teria a lei dado royalties aos municípios - e não só à União - então? Benevolência???
A prevalecer esse entendimento nenhum município (salvo os do Amazonas, se não me engano, onde a produção é em terra) ou estado receberia royalties - salvo, repito, por extrema benevolência da lei - e, sabemos, no Brasil historicamente a maior parte do bolo ficou sempre com a União (e abrir mão de recursos é algo que nenhuma das esferas de governo faz).
Usa-se o conceito das "linhas de projeção ortogonal" para definir qual município produz petróleo, mas o tema é muito complexo.
Um abraço.
Respeito seu posicionamento.
Dr. Cléber,
Matou a cobra e mostrou o pau.
Enquanto isso os (in)gestores da Malfeitura ficam aterrorizando a população e conclamando para se dirigirem a praça pública.
Quem for lá, na praça, não esqueça de levar o nariz de palhaço, pois eles estão usando a população.
Manifestação inócua, sem sentido.
Bicho Possuído
"palhaço dos royalties"
Produtores de Petróleo
ESTADOS PRODUTORES? PETRÓLEO NÃO SE PRODUZ, SE EXTRAI.
Não existem estados produtores, não se produz petróleo, se extrai, e quem é responsável pela extração é a União, detentora, segundo um tal documento, Constituição Federal, sabem o que é isso?
Segundo a Constituição os recursos naturais são de responsabilidade da União.
Não podemos baixar a cabeça e aceitar a ganância incontrolável de políticos egoístas, que fazem dessa bandeira uma forma de se consolidar eleitoralmente.
Não podemos ter dentro de um mesmo país, alguns gozando do melhor que uma sociedade pode ter, enquanto outros tem de lutar por sua sobrevivência, isso é inaceitável.
Ah, sim, petróleo é extraído.
Quem usa o termo "produtores" - aceito normalmente no meio - é a Lei do Petróleo, não eu.
Ah, sim, petróleo é extraído.
Quem usa o termo "produtores" - aceito normalmente no meio - é a Lei do Petróleo, não eu.
Marcelo,
Suponho que a percepção de royalties pelos beneficiários leve em conta vários critérios. A justificativa para a Marinha receber royalties é de que ela precisaria estar aparelhada para fiscalizar e proteger o mar territorial. De fato ela não explora nem produz petróleo. Mas se o DF, que pelo que sei não tem atividade extrativa ou de produção de petróleo recebe royalties, o que afastaria outros Estados e Municípios do bolo?!
Admito que a partilha por igual possa comprometer a razoabilidade, é preciso compensar melhor quem sofre os efeitos diretos e imediatos da exploração e produção de petróleo.
Enfim, o assunto é muito complexo como você afirmou, há muitas divergências políticas e jurídicas em torno dele.
Forte abraço,
Cleber Tinoco
Jurista demonstra em documento a inconstitucionalidade da emenda
A emenda de Ibsen Pinheiro e Humberto Souto refaz a distribuição dos recursos de royalties e de participação especial e muda o rateio das demais áreas já exploradas da seguinte forma: 50% para estados e municípios, indistintamente, além do Distrito Federal.
Ou seja: mesmo quem nada produz no setor petróleo, os 5.561 municípios brasileiros passam a ser beneficiados, com distribuição de royalties conforme os critérios do Fundo de Participação de Estados (FPE) e o de Municípios (FPM), respectivamente.
Em trabalho apresentado à prefeita de Campos, Rosinha Garotinho, o jurista Humberto Ribeiro Soares, procurador do Governo do Estado do Rio aposentado, apresenta argumentos de que “é completamente inconstitucional” a emenda e que a aprovação “é o mesmo que rasgar a Constituição”.
Baseada nos estudos de Soares,e no artigo 20 da Constituição Federal, Rosinha diz que, numa carta enviada por ela ao ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, foi exposta, com dados concretos, a inconstitucionalidade. Em nove itens, ela enumera evidências apontadas pelo jurista.
1ª) Afronta ao inciso I do § 4º do art. 60 da Constituição Federal, em seu cariz explícito, eis que há desdém à “forma federativa“ do Estado brasileiro, mais precisamente, no dizer do Sr. Ministro GIMAR FERREIRA MENDES, “o modo de ser federal do Estado criado pela Constituição” 1 e no de CANOTILHO, a “forma de Estado tal como ela é normativo-constitucionalmente conformada”.
2ª) Afronta ao inciso I do § 4º do art. 60 da Constituição Federal, em seu cariz implícito, eis que há desdém à “forma federativa“ do Estado brasileiro (…).
Logo, os Estados não-produtores e os Municípios não-produtores (a quem o projeto de lei do Executivo e as deliberações congressuais estão estendendo inconstitucionalmente as participações em prejuízo dos Estados e Municípios produtores) não podem beneficiar-se daquela “participação”; e o estão logrando em prejuízo dos entes federativos produtores.
3ª) Afronta àquela mesma “limitação constitucional” em razão de os Estados não-produtores e aos Municípios não-produtores estarem sendo beneficiados pelas normas impugnadas com “participação no resultado da exploração” de petróleo extraível das suas respectivas “plataforma continental, mar territorial ou zona econômica exclusiva”(…).
4ª) Afronta a “limitação constitucional” contida no inciso IV do § 4º do art. 60 da Constituição Federal (igualdade) eis que a Carta não restringe, não distingue entre petróleo da camada geológica do pré-sal e camada geológica do pós-sal, de qualquer que seja a camada geológica de onde advenha o petróleo, tudo é petróleo (…).
5ª) Afronta àquela mesma “limitação constitucional” (“o modo de ser federal do Estado criado pela Constituição” 6) em razão de as normas impugnadas estarem a adotar, adicionalmente, parâmetros para critérios de rateio não genuflexos ao princípio constitucional da proporcionalidade (…).
6ª) Afronta àquela mesma “limitação constitucional”, ao direito de os Estados produtores e os Municípios produtores – de quem as normas impugnadas estão a subtrair parcelas de sua “participação no resultado da exploração de petróleo” para entregá-las aos entes não-produtores – que importa em que as ditas “participação” dos entes produtores consiste em “receitas originárias”, “receitas próprias” dos produtores (cfr. ac. STF-MS 24.312/DF, Relatora Min. ELLEN GRACIE);
7ª) Afronta àquela mesma “limitação constitucional”, ao direito que tutela unicamente os Estados produtores e os Municípios produtores de serem “proprietários” de petróleo – e não no serem os entes não-produtores – na forma do que dispõe o § 1º do art. 20 c/c os incisos V e IX do mesmo art. 20 da Constituição Federal (…).
8ª) Afronta à “limitação constitucional” do princípio republicano, limitação implícita à do princípio federativo (art. 60, § 4º, I, CF/88), com o qual é imbricado, xifópago segundo ensinamentos de RUI BARBOSA, GERALDO ATALIBA, JORGE MIRANDA, BOURDEAU, LOEWENSTEIN, sendo que limitação implícita também é parametrizante (cfr. ac. STF, ADI 3.273-9/DF, Relator Min. EROS GRAU; nem a propriedade da União sobre petróleo é plena, no dizer do Min. EOS GRAU, ac. STF ADI 3.273-9/DF);
9ª) Afronta à “limitação constitucional” da Constituição Financeira (cfr. RICARDO LOBO TORRES in Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário, vol. I), limitação implícita à do princípio federativo (art. 60, § 4º, I, CF/88), segundo ensinamentos de RUI BARBOSA, GERALDO ATALIBA, JORGE MIRANDA, BOURDEAU, LOEWENSTEIN. Sendo que limitação implícita também é parametrizante e a norma do § 1º do art. 20 da Constituição Federal integra a Constituição Financeira. Os “meios” (meios materiais, financeiros, entenda-se) que a Carta propicia aos entes federativos para que estes desenvolvam seus deveres e competências integram a Constituição Financeira.
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