Em
primeiro lugar, não é preciso ter acesso aos detalhes do processo
administrativo para concluir pela ilicitude da doação realizada
pelo Município de Campos em favor da OAB, pois o desvio de
finalidade é flagrante.
O
interesse público, o bem comum, o interesse geral deve sempre
nortear a atividade administrativa. Dele não pode se desviar o
administrador público no exercício de suas competências, porque o
Estado existe para servir ao povo e não dele se servir para
privilegiar quem quer que seja.
De
acordo com Fábio Konder Comparato: "Numa república, ninguém
pode exercer o poder em benefício próprio ou de grupos ou
corporações às quais pertença, mas deve fazê-lo para a
realização do bem público, que é o bem do povo (res publica, res
populi)." (Ética: direito, moral e religião no mundo moderno/
Fábio Konder Comparato, Cia das Letras, p. 636).
Como
se percebe, não é preciso descer a minúcias do negócio para
concluir pela sua ilicitude, que não é afastada pelo compromisso de
destinar a área não só ao desfrute dos advogados e de seus
familiares, mas também à prestação de algum tipo de serviço
público.
As
declarações das autoridades envolvidas, expressando os motivos
determinantes da doação, deixam claro que o interesse público
ficou em segundo plano, com a agravante de que sequer se estabeleceu
encargo na doação que obrigasse a OAB à prestação de serviço de
interesse público, conforme trechos de duas reportagens abaixo:
"Os
advogados de Campos e seus familiares vão contar com uma sede
campestre para confraternização e recreação. Para viabilizar o
antigo sonho dos profissionais da advocacia do município, a Prefeita
Rosinha Garotinho decidiu doar uma área de 23,9 mil metros quadrados
para construção do empreendimento de lazer. O anúncio foi feito na
noite desta sexta-feira (11), pela prefeita durante a solenidade de
reinauguração da sede executiva da 12ª Subseção da Ordem dos
Advogados do Brasil (OAB), evento prestigiado por autoridades do
município e dirigentes da sociedade civil organizada."
(notícia
divulgada no ano de 2009, na página oficial da PMCG).
…...................................................
“'O
que era sonho hoje é uma realidade. Estamos aqui juntos, pisando
pela primeira vez na área que será transformada no espaço de lazer
de nossos advogados. Aqui nossas famílias poderão se reunir e os
advogados poderão aproveitar das atividades de lazer e
entretenimento',
disse o presidente, que explicou ainda que irá buscar recursos para
que as obras possam ser iniciadas em breve.
Segundo
ainda o presidente, a instalação da sede social e esportiva da
entidade é um sonho de cerca de 50 anos dos advogados de Campos.
'Vamos trabalhar bastante para que ainda neste ano possamos ter no
local algumas atividades esportivas, com a construção da pista de
atletismo e o campo de futebol. Vamos avançar, e a partir do ano que
vem pretendemos ter já as quadras poliesportivas, a piscina para
natação e lazer e em seguida, o espaço social, para solenidades
diversas', concluiu Carlos Fernando.(notícia divulgada no site de
notícias Ururau em 13/05)
Tais
elementos são suficientes para concluir, sem leviandades ou
retardos, que o motivo determinante da doação afastou-se do
interesse público, violando, assim, princípios constitucionais,
como o princípio republicano, da legalidade, da moralidade, além da
própria Lei Orgânica, que em seu art. 106 subordina expressamente a
doação ao atendimento do interesse público. Em verdade, como
demonstram as notas jornalísticas acima, esse é um caso confesso de
desvio de poder.