segunda-feira, 3 de novembro de 2008

A EMUT pode multar?

A EMUT diz que não aplica multa, já que esta função seria exercida pela Guarda Municipal. O que observamos, entretanto, é que a Guarda Municipal só está encarregada de lavrar o auto de infração, enquanto a EMUT cuida da notificação do infrator, do julgamento dos recursos e até da aplicação da multa, todos atos que expressam o exercício do poder de polícia. A autuação não se confunde com a multa, aquela (autuação) é um ato antecedente desta (multa). Tanto é verdade, que alguém pode ser autuado, mas não ser multado, porque, por exemplo, apresentou recurso que foi acolhido pelo órgão de trânsito. Apesar da questão não ser pacífica, entendo que a EMUT não pode aplicar multa, pois o poder de polícia não lhe poderia ter sido delegado. A EMUT, para quem não sabe, é uma empresa pública que se submete a normas de direito privado e, por esta razão, não pode aplicar multas de trânsito. Esta função, tipicamente pública, só poderia ter sido delegada (transferida) pelo Município à uma pessoa jurídica de direito público criada para este fim (autarquia ou fundação pública de direito público), jamais à uma pessoa jurídica de direito privado (empresa pública, sociedade de economia mista ou fundação pública de direito privado). Em razão disso, penso que todas as multas de trânsito aplicadas pela EMUT nos últimos 5 anos são nulas.
Trago à colação alguns julgados do TJRJ sobre o assunto:
2006.001.25811 - APELACAO - 1ª Ementa DES. FRANCISCO DE ASSIS PESSANHA - Julgamento: 30/05/2007 - SEXTA CAMARA CIVEL APELAÇÃO CÍVEL EM MANDADO DE SEGURANÇA. MULTA DE TRÂNSITO. EMPRESA MUNICIPAL. PRECEDENTES DESTE E. TRIBUNAL DE JUSTIÇA. O Código de Trânsito Brasileiro determina que as multas sejam aplicadas por agentes investidos em cargos públicos, uma vez que não existe qualquer possibilidade de delegação do poder de polícia de trânsito a empresas paraestatais ou da administração indireta. Assim, o exercício do poder de polícia de trânsito pelos Municípios terá de ser feito por seus órgãos ou por suas entidades, na forma de fundações ou autarquias, todas pessoas jurídicas de direito público, submetidas aos princípios constitucionais que regem a administração pública.Sentença proferida de acordo com os precedentes deste E. Tribunal de Justiça.DESPROVIMENTO DO RECURSO.
2006.001.34093 - APELACAO - 1ª Ementa DES. ANTONIO CESAR SIQUEIRA - Julgamento: 26/09/2006 - QUINTA CAMARA CIVEL Administrativo. Apelação. Mandado de Segurança. Delegação do Poder de Polícia feita pelo Município de Niterói à empresa de direito privado (EMUSA). Pretensão do autor de ver declaradas nulas as multas de trânsito que lhe foram aplicadas pela delegatária. Alegação de que a mesma não possui legitimidade para o exercício do Poder de Policia. Impossibilidade de a administração pública municipal delegar à empresa de direito privado o poder de aplicar multas de trânsito. Precedentes jurisdicionais. Suspensão do processo até o trânsito em julgado da ação civil pública junto ao STJ Impossibilidade de se impor à parte que espere indefinidamente o julgamento da ação coletiva. Desprovimento do recurso.

7 comentários:

Anônimo disse...

Cleber,

Muito bom o seu post.
Como é essencial nós os internautas, sermos esclarecidos sobre nossos direitos... e deveres.

Obrigado.

Abraço Cleber T.

Anônimo disse...

Cléber,

Embora entenda da mesma forma que você, vejo que na prática não há mudança alguma pois os autos de infração continuam sendo expedidos.

Se não estou enganado, e me corrija se estiver, a Guarda Municipal na Cidade do Rio de Janeiro é uma Empresa Pública, o que torna a situação ainda mais estranha.

Abraços,

Felipe.

Cleber Tinoco disse...

Prezado Felipe,

Desconheço o funcionamento da Guarda Municipal do Rio, mas tenho a impressão de que ela funciona como órgão do município, não como uma empresa pública.

Anônimo disse...

Cléber,

verifiquei no site oficial da Prefeitura do Rio de Janeiro e realmente a Guarda Municipal é gerida por uma empresa pública, chama EMV - Empresa Municipal de Vigilância S.A.

Você mesmo pode verificar no link: http://www2.rio.rj.gov.br/gmrio/

Lembrei do caso porque em uma discussão na pós em que frequento, o Professor levantou essa questão, não quanto as multas de trânsito, mas quanto a uma atividade que, a princípio, é um serviço público, ser explorada por uma empresa pública municipal.

Entendo tal situação como sui generis, porém, salvo engano, a questão da Guarda Municipal do Rio foi enfrentada judicialmente, e parece que o Município saiu vencedor, pendente, acho, de recurso.

Bem, só coloquei o tema em pauta por se tratar de questão controversa e a título de curiosidade.

Espero que você, com seu brilhantismo, possa esclarecer a respeito do tema.

Um grande abraço,

Felipe.

Cleber Tinoco disse...

Felipe,

Pesquisei no site do TJRJ e, de fato, encontrei duas ações diretas de inconstitucionalidade contra a lei municipal carioca: 2003.007.00109 e 2003.007.00146, ambas julgadas no dia 12/03/2007 e de teor idêntico, por isso reproduzo apenas uma:

"Direito Constitucional estadual. Controle abstrato da constitucionalidade em face da Constituição do Estado. Representações de inconstitucionalidade, postas pelo Ministério Público e pelo Partido Comunista do Brasil, impugnando a Lei no 1.887/92 do Município do Rio de Janeiro, que autoriza o Poder Executivo a criar a Guarda Municipal da Cidade do Rio de Janeiro e a Empresa Municipal de Vigilância, e dá outras providências. O Município goza de autonomia administrativa, como proclama a Constituição da República e reproduz o art. 343 da Carta Magna Estadual: os Municípios são unidades territoriais que integram a organização político-administrativa da República Federativa do Brasil, dotados de autonomia política, administrativa e financeira, nos termos assegurados peia Constituição da República, por esta Constituição e pela respectiva Lei Orgânica. A ordem democrática implantada em 1988 elevou o Município a ente federativo, em posição que não se mostra inferior a da União, do Estado-membro ou do Distrito Federal, com a capacidade de organizar os seus serviços públicos, inclusive a regulação e fiscalização das normas de trânsito dentro da respectiva circunscrição. O poder de polícia, como instrumento de atuação, constitui faculdade ou poder administrativo das entidades federativas e de qualquer dos Poderes da República e tem fonte normativa na Constituição da República, em seu art. 37, caput, dispondo sobre os princípios gerais regentes da Administração Pública. A ordem jurídica democrática pode dispor sobre o exercício de poder de polícia por entidades não governamentais e até mesmo por pessoa privada, como se vê, por exemplo, na prisão em flagrante delito, o mais relevante ato de repressão da liberdade individual em época de paz, que pode ser efetivada por qualquer do povo, como preceitua o velho Código de Processo Penal, outorgado ainda na época do Estado Novo e recepcionado pela Constituição de 1988 neste aspecto. A ordem jurídica, através do Código Brasileiro de Trânsito, não exige que a autuação de motorista infrator das normas de trânsito somente possa ser feita por servidor público concursado e ocupante de cargo efetivo na Administração Direta. O trânsito, em condições seguras, é um direito de todos e dever dos órgãos e entidades componentes do Sistema Nacional de Trânsito, a estes cabendo, no âmbito das respectivas competências, adotar as medidas destinadas a assegurar esse direito. Da competência constitucional do Município de gestão dos serviços públicos que lhe são peculiares, inclusive a ordenação do trânsito nas vias públicas, decorre o seu poder de instituir empresa pública através de específica lei votada pela Câmara Municipal com a finalidade precípua de executar as normas de trânsito, inclusive a aplicação de multas aos infratores. Normas que se extraem do disposto no art. 173, §1º, da Constituição da República, de reprodução obrigatória na ordem constitucional estadual, autorizam aprestação de serviços públicos por pessoas jurídicas de direito privado, entre elas as sociedades de economia mista e empresas públicas. Improcedência da representação".


De qualquer maneira, como falei nesta postagem, a matéria é controvertida, especialmente porque alguns consideram que a empresa pública prestadora de serviço público, ao contrário daquelas que exploram atividade econômica, gozam de algumas prerrogativas da Fazenda Pública, o que justificaria, para esta corrente, o exercício do poder de polícia pela primeira espécie de empresa pública (prestadora de serviço público). Porém, devo reiterar que me filio à corrente contrária, que só admite o exercício do poder de polícia por entidades com personalidade jurídica de direito público.

Agradeço a sua contribuição para o debate.

Abraço

Marcus Filgueiras disse...

Prezado Cleber,

1. Inicialmente, gostaria de parabenizá-lo pelo “blog”, que já vai se tornando, merecidamente, uma referência para todos na região. Tem-se revelado, inequivocamente, um espaço democrático e plural, com sólida base técnico-jurídica. Parabéns!
2. Com relação ao assunto que envolve a EMUT, se a mesma poderá realizar atos de polícia administrativa (aplicação de multas e a cobrança de taxas para estacionamento nas ruas - postado há dias), não poderia deixar de me manifestar, ainda que tardiamente, especialmente por se tratar de tema de Direito Administrativo, para o qual devoto grande parte de meus estudos.
3. Para isso, necessito partir de uma premissa: a EMUT (empresa pública) presta serviços públicos e não de natureza privada.
4. As empresas públicas, que são dotadas de personalidade jurídica de direito privado, nascem com a finalidade natural de explorar atividade econômica, isto é, atividades próprias dos particulares, de direito privado. É a lógica que se extrai do art. 173, da Constituição Federal.
5. Entretanto, sempre sustentei que, não obstante isso, a Constituição não veda a que tais entidades prestem serviços públicos. Ao contrário, há permissivo expresso no art. 175, no próprio art. 37, § 6º e em tantos outros que admitem a prestação de serviços públicos por pessoas jurídicas de direito privado. Mas parava neste ponto. Nunca enfrentei de que modo isso poderia dar-se.
6. Pois bem, faço-o agora: uma empresa pública poderá prestar serviços públicos nas mesmas condições em que uma empresa privada pode fazê-lo, que é mediante concessão ou permissão de serviço público. Para tanto, deverá vencer a necessária licitação.
7. Decorre disso, que não se coaduna com a Constituição a criação de empresa estatal com personalidade jurídica de direito privado voltada para a prestação de serviços públicos. No caso, a EMUT, tal qual se apresenta, viola o art. 173 e o art. 175 da Carta Republicana.
8. Se não há sustentação constitucional para a EMUT prestar serviços públicos nas condições que o faz, muito menos há competência jurídica para realizar atos de poder de polícia decorrentes desse serviço, que constituem, como salienta a boa doutrina, um poder derivado diretamente da soberania.
9. O fato de existirem instituições como a ECT e a CEF não infirmam esta tese, pois além de terem sido criadas antes da Constituição vigente, exploram também atividade econômica em suas atividades-fins.
Em síntese, é isso.
Abraços

Marcus Filgueiras disse...

Prezado Cleber,

1. Inicialmente, gostaria de parabenizá-lo pelo “blog”, que já vai se tornando, merecidamente, uma referência para todos na região. Tem-se revelado, inequivocamente, um espaço democrático e plural, com sólida base técnico-jurídica. Parabéns!
2. Com relação ao assunto que envolve a EMUT, se a mesma poderá realizar atos de polícia administrativa (aplicação de multas e a cobrança de taxas para estacionamento nas ruas - postado há dias), não poderia deixar de me manifestar, ainda que tardiamente, especialmente por se tratar de tema de Direito Administrativo, para o qual devoto grande parte de meus estudos.
3. Para isso, necessito partir de uma premissa: a EMUT (empresa pública) presta serviços públicos e não de natureza privada.
4. As empresas públicas, que são dotadas de personalidade jurídica de direito privado, nascem com a finalidade natural de explorar atividade econômica, isto é, atividades próprias dos particulares, de direito privado. É a lógica que se extrai do art. 173, da Constituição Federal.
5. Entretanto, sempre sustentei que, não obstante isso, a Constituição não veda a que tais entidades prestem serviços públicos. Ao contrário, há permissivo expresso no art. 175, no próprio art. 37, § 6º e em tantos outros que admitem a prestação de serviços públicos por pessoas jurídicas de direito privado. Mas parava neste ponto. Nunca enfrentei de que modo isso poderia dar-se.
6. Pois bem, faço-o agora: uma empresa pública poderá prestar serviços públicos nas mesmas condições em que uma empresa privada pode fazê-lo, que é mediante concessão ou permissão de serviço público. Para tanto, deverá vencer a necessária licitação.
7. Decorre disso, que não se coaduna com a Constituição a criação de empresa estatal com personalidade jurídica de direito privado voltada para a prestação de serviços públicos. No caso, a EMUT, tal qual se apresenta, viola o art. 173 e o art. 175 da Carta Republicana.
8. Se não há sustentação constitucional para a EMUT prestar serviços públicos nas condições que o faz, muito menos há competência jurídica para realizar atos de poder de polícia decorrentes desse serviço, que constituem, como salienta a boa doutrina, um poder derivado diretamente da soberania.
9. O fato de existirem instituições como a ECT e a CEF não infirmam esta tese, pois além de terem sido criadas antes da Constituição vigente, exploram também atividade econômica em suas atividades-fins.
Em síntese, é isso.
Abraços