segunda-feira, 14 de junho de 2010

Lei da Ficha Limpa: preocupação a mais para Rosinha, Garotinho e Arnaldo Vianna

Em outra oportunidade comentamos aqui os efeitos das decisões proferidas pelo TRE-RJ em recursos de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE) e de Impugnação de Mandato Eletivo (AIME). Dissemos, com base na jurisprudência do TSE, que a inelegibilidade de Rosinha, Garotinho e Arnaldo Vianna somente produziria efeitos a partir do trânsito em julgado da decisão e que a cassação do mandato de Rosinha teria efeito imediato logo após o julgamento dos embargos de declaração, mas que poderia ser suspenso por decisão do TSE. Estas conclusões não levaram em conta a Lei da Ficha Limpa, que, como veremos, suscita muitas controvérsias, mas apenas as hipóteses de inelegibilidades então vigentes, além da jurisprudência do TSE.

Os julgamentos no TRE ocorreram no dia 27/05 e a Lei da Ficha Limpa (Lei Complementar n.° 135/10) entrou em vigor na data de sua publicação, ou seja, dia 07/06.

A Lei da Ficha Limpa inseriu alguns dispositivos e modificou outros da Lei das Inelegibilidades (Lei Complementar n.° 64/90), gerando muitas dúvidas e incertezas quanto à sua aplicação.

Um dos pontos de questionamento é se a lei pode ser aplicada imediatamente ou deve aguardar um ano para entrar em vigor, por força do princípio da anterioridade da lei eleitoral consagrado no art. 16 da Constituição Federal, que dispõe:

“Art. 16. A lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência”.

Em resposta à consulta formulada pelo senador Arthur Virgílio (PSDB-AM), os ministros do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) entenderam, no último dia 10, que a Lei da Ficha Limpa deve ser aplicada já nas eleições de outubro deste ano. Como a resposta do TSE à consulta eleitoral não tem natureza jurisdicional nem vincula os demais Tribunais Regionais Eleitorais, a controvérsia está longe de terminar até que o STF se pronuncie.

Há dúvidas também sobre a aplicação da Lei da Ficha Limpa aos fatos e situações jurídicas anteriores a ela. Para alguns a lei jamais poderia ser aplicada às situações jurídicas constituídas antes de sua entrada em vigor; outros, no entanto, reafirmam tal possibilidade invocando precedentes do TSE. Pela primeira corrente, a decisão do TRE não impediria, por exemplo, Garotinho de disputar enquanto coubesse recurso da decisão que o tornou inelegível; Já pela segunda corrente, ele já estaria inelegível independentemente do trânsito em julgado da decisão.

Compare, a propósito, a redação antiga e nova do dispositivo legal que acarretou a inelegibilidade do casal Garotinho e de Arnaldo Vianna. De acordo com o art. 1º, I, “d” da LC 64/90, são inelegíveis para qualquer cargo:

"d) os que tenham contra sua pessoa representação julgada procedente pela Justiça Eleitoral, transitada em julgado, em processo de apuração de abuso do poder econômico ou político, para a eleição na qual concorrem ou tenham sido diplomados, bem como para as que se realizarem 3 (três) anos seguintes;" (redação antiga)

"d) os que tenham contra sua pessoa representação julgada procedente pela Justiça Eleitoral, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão colegiado, em processo de apuração de abuso do poder econômico ou político, para a eleição na qual concorrem ou tenham sido diplomados, bem como para as que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes;" (Redação dada pela Lei Complementar nº 135, de 2010).

Veja como ficou o artigo 15 da Lei Complementar, também alterado pela Lei da Ficha Limpa, que tornou desnecessário o trânsito em julgado da decisão que venha declarar a inelegibilidade do candidato:

"Art. 15. Transitada em julgado a decisão que declarar a inelegibilidade do candidato, ser-lhe-á negado registro, ou cancelado, se já tiver sido feito, ou declarado nulo o diploma, se já expedido." (redação antiga)

"Art. 15. Transitada em julgado ou publicada a decisão proferida por órgão colegiado que declarar a inelegibilidade do candidato, ser-lhe-á negado registro, ou cancelado, se já tiver sido feito, ou declarado nulo o diploma, se já expedido. (Redação dada pela Lei Complementar nº 135, de 2010)"

A inelegibilidade decorrente de mera decisão de órgão colegiado, dispensando o trânsito em julgado exigido pela sistemática anterior, é certamente um dos pontos mais polêmicos e sensíveis da Lei da Ficha Limpa. A questão passa por saber se o princípio constitucional da presunção de inocência aplica-se aos processos eleitorais ou incide apenas nos processos penais. Em 2008, o Pleno do STF ao julgar a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) n.° 144/DF, concluiu que o princípio da presunção de inocência há de ser observado também nos processos eleitorais. Na ocasião, dissemos que o STF acabou por blindar os fichas-sujas, retirando qualquer esperança de se afastar das eleições os candidatos indignos, pois o entendimento apoiava-se em direito fundamental, portanto, em cláusula pétrea imodificável até mesmo por emenda constitucional (veja aqui).

Note-se, por fim, que os efeitos da decisão proferida na AIJE foram ampliados. Antes não havia previsão da cassação do mandato, mas com a Lei da Ficha Limpa esse efeito passou a ser contemplado, como se infere do art. 22, inciso XIV, da Lei Complementar n.º 64/90:

"XIV - julgada procedente a representação, o Tribunal declarará a inelegibilidade do representado e de quantos hajam contribuído para a prática do ato, cominando-lhes sanção de inelegibilidade para as eleições a se realizarem nos 3 (três) anos subseqüentes à eleição em que se verificou, além da cassação do registro do candidato diretamente beneficiado pela interferência do poder econômico e pelo desvio ou abuso do poder de autoridade, determinando a remessa dos autos ao Ministério Público Eleitoral, para instauração de processo disciplinar, se for o caso, e processo-crime, ordenando quaisquer outras providências que a espécie comportar;" (redação antiga)

"XIV – julgada procedente a representação, ainda que após a proclamação dos eleitos, o Tribunal declarará a inelegibilidade do representado e de quantos hajam contribuído para a prática do ato, cominando-lhes sanção de inelegibilidade para as eleições a se realizarem nos 8 (oito) anos subsequentes à eleição em que se verificou, além da cassação do registro ou diploma do candidato diretamente beneficiado pela interferência do poder econômico ou pelo desvio ou abuso do poder de autoridade ou dos meios de comunicação, determinando a remessa dos autos ao Ministério Público Eleitoral, para instauração de processo disciplinar, se for o caso, e de ação penal, ordenando quaisquer outras providências que a espécie comportar; (Redação dada pela Lei Complementar nº 135, de 2010)"

Todas as questões em torno da Lei da Ficha Limpa exigirão bastante tempo para serem resolvidas pelos tribunais, especialmente pelo TSE e pelo STF. Com este cenário de tantas dúvidas e incertezas, haverá muito político perdendo o sono!

Um comentário:

Anônimo disse...
Este comentário foi removido por um administrador do blog.