quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Trecho do voto do Min. Celso de Mello do STF na ADPF 144

Embora não concorde com a solução dada pelo STF ao caso dos fichas-sujas, o voto do relator Min. Celso de Mello tem trechos que merecem ser destacados:

"Nesse contexto, a informação revela-se elemento de extraordinária importância, pois significa, para o eleitor, um dado de inegável relevo que lhe permite não só o exercício consciente do direito de escolher candidatos probos, mas que lhe atribui o poder de censurar, pelo voto, candidatos eticamente desqualificados e que, não obstante seus atributos negativos, foram, assim mesmo, selecionados, mal selecionados, de maneira inteiramente inadequada e irresponsável, por suas respectivas agremiações partidárias.

Eis porque o sistema democrático e o modelo republicano consagram, como fórmula legitimadora do exercício do poder, o direito do cidadão à plena informação sobre a vida pregressa dos candidatos, especialmente se se tratar da escolha, em processo eleitoral, daqueles que irão, como membros do Poder Legislativo ou do Poder Executivo, co-participar da regência e da direção superior do Estado

Nada, portanto, deve ser sonegado ao conhecimento dos eleitores, que devem ser adequadamente informados, por meios idôneos, sobre todos os fatos e dados relevantes concernentes aos candidatos, em ordem a propiciar, a cada cidadão, a escolha de representantes políticos cujo passado seja fator de garantia de que o mandato eletivo será exercido com dignidade, retidão, honradez e fidelidade aos valores éticos que devem pautar o desempenho de qualquer atividade no âmbito governamental.

A plena submissão de todos os candidatos aos princípios que derivam da ética republicana e a integral exposição de seu comportamento individual, profissional e social, inclusive de sua vida pregressa, a amplo escrutínio público qualificam-se como requisitos cujo conhecimento deve ser transmitido aos cidadãos da República, para que estes disponham de elementos de informação necessários à prática responsável do poder-dever de eleger os representantes do Povo". (negrito conforme original)

7 comentários:

Anônimo disse...

Cleber, concordo em gênero, número e grau com todas as palavras do Min. Celso de Mello. Acho que as eleições atuais estariam mais qualificadas moralmente, caso fosse adotado esse modelo de filtragem eleitoral. Muito oportuna sua postagem!

xacal disse...

Boa discussão, Cléber...

Mas perceba uma contradição que está intrínseca no pensamento do ministro...

Quando ele defende uma ampla liberdade de informação para que o eleitor saiba dos antecedentes de seus candidatos, e aí, soberanamente, fazer os filtros pelas suas escolhas, reside aí uma oposição de garantias...

Ora, se o stf defende a presunção de inocência (da qual discordo, pois defendo que há na verdade uma presunção de não-culpabilidade) e como tal, garante ao acusado/réu a manutenção de direitos eleitorais, como não impedir que esse candidato não censure as informações (inerentes aos processos sem decisão definitiva) sobre sua vida pregressa, como forma de garantir o pleno exercício da presunção protegida pela corte suprema...?

Afinal, a imagem e a divulgação da imagem é uma das ferramentas fundamentais para o exercício da política...

Ricardo disse...

Pode nos dar um esclarecimento sobre esses últimos movimentos no TSE em relação a situação de Arnaldo.

TSE - Movimentação em 16/10/2008

Cleber Tinoco disse...

Xacal,

Para interpretar a Constituição devemos partir de algumas premissas, dentre as quais destaco: a) não há hierarquia entre as normas constitucionais; b) não existem direitos ou garantias fundamentais de caráter absoluto. Em razão disso, é muito comum encontrarmos situações em que ocorre a chamada colisão de valores constitucionais, para cuja solução é necessária a ponderação das normas constitucionais que incorporam estes valores conflitantes no caso concreto, de maneira que um prevaleça sobre o outro, sem, no entanto, aniquilar completamente sua eficácia. Desse modo, nem o direito à vida está livre desta ponderação de valores. Imagine a situação de um doente que necessita de um tratamento médico caríssimo, para o qual o Estado (lato sensu) não tem condições de atender sem o sacrífico da manutenção de outros tratamentos médicos. Neste caso, a razoabilidade está a recomendar o atendimento daquela pretensão, porém nos limites das possibilidades fáticas e jurídicas do Estado, que, assim, poderá disponibilizar outros tratamentos menos custosos, ainda que não tão eficazes quanto aquele outro caríssimo.
Se tiver interesse em se aprofundar mais no assunto, mande-me um email. Tenho alguns artigos doutrinários bastante esclarecedores sobre o assunto!

Um abraço e obrigado pelo excelente comentário!

Cleber Tinoco disse...

Em tempo:

Sobre o princípio da presunção de inocência, ele também é conhecido como princípio da não-culpabilidade. Todavia, consoante lição do Prof. Luiz Flávio Gomes, esta última expressão foi empregada pelo regime fascista.

xacal disse...

Caro Cléber,

A presunção de não-culpabilidade é, também, ensinamento do prof. Paulo Rangel, em seu compêndio de Direito Processual Penal...

A apropriação pelos regimes totalitários de conceitos e princípios do direito não os invalida de plano...

Não esqueçamos que regimes democráticos, às vezes, formulam diplomas jurídicos extremamente autoritários...

Se puder remeta os textos para atrolha@ig.com.br

Cleber Tinoco disse...

Ilustre Xacal,

Deveras, não importa como denominamos o princípio insculpido no art. 5º, LVII da Constituição Federal. O mais relevante é discutir o conteúdo e o alcance dele. No livro do Prof. Paulo Rangel, percebo que o princípio da não-culpabilidade tem seu alcance reduzido, já que defende a aplicação deste princípio processual-penal apenas como regra de julgamento (in dubio pro reo). Todavia, na esteira de outros autores (Luigi Ferrajoli, Luiz Flávio Gomes, Aury Lopes Jr.), penso que o princípio tem maior amplitude, posto que é visto não apenas como regra de julgamento, mas também como regra de tratamento do imputado (limitação à estigmatização do imputado pela publicidade abusiva e limitação do uso das prisões cautelares). O princípio da não-culpabilidade do Código de Processo Penal italiano de 1931, de ideologia fascista, que inspirou o Código de Processo Penal brasileiro de 1941, arrima-se na valorização das prisões cautelares e na equiparação dos indícios, que justificam a imputação, à prova da culpabilidade. Defendia-se, então, que, como a maior parte dos imputados resultavam ser culpados ao final do processo, não havia nada que justificasse a proteção da presunção de inocência.
O Código de Processo Penal italiano não se apropriou do conceito de não-culpabilidade, ele o criou para restringir o alcance do princípio da presunção de inocência.
De qualquer maneira, como falei, não há problema em denominar o referido princípio de uma ou outra forma, o mais importante é compreender o seu conteúdo e estabelecer o seu alcance.

Obrigado Xacal pelo comentário, percebo que é um pensador de primeira, de raciocínio primoroso e refinado.

No mais, envio o artigo de que falei, assim que puder.